terça-feira, 3 de novembro de 2009

Análise da Malemolência


As vezes é preciso ficar quieto, sem dizer nada, para ouvir o silencio que as coisas de dentro, enquanto se movimentam, traz.A boca emudecida é um sinal de que muitas vozes falam ao pé do ouvido. A vontade ensandecida de estar em vários lugares, mesmo estando num lugar só, vem acompanhada de muitos rostos.Abre-se e fecha-se guarda-chuvas, tentando se proteger da chuva que não cai. O céu nublado possui movimentos lentos. Nada de gargalhadas. Nada de pandeiros e cavaquinhos. Nada de nudez. Tudo esta coberto.Os ouvidos estão tampados. - Você escolheu assim - . Os olhos estão cerrados. - Você não gosta sentir outras coisas - . Toma banho. Se come em silêncio. Olha a pele pálida. Não se pinta. Se tateia. Percebe que os volumes diminuíram. Se penteia. Se alisa. Se sente. Sente seu cheiro. Se senta e permanece quieta. Lambe as mãos e olhas os pés.Uma bailarina dá saltos e rodopios dentro de si. Dança na ponta dos pés e encena uma peça desconhecida. Quieta e emudecida, você ouve a musica que toca na caixinha. Seus desejos é que te dão corda. É a voz de dentro, quem te conduz. Mostrando seus reflexos de semelhanças. “Sou eu tua guia. Me ouves e se sentiras liberta”.Sua companhia chega. Se senta ao seu lado. Traz consigo o cheiro de banho tomado. Sua barba ainda fina e falhada não consegue esconder suas feições de alegria. Nenhuma palavra. Você o olha. Ele a olha. E vem o riso que nasceu de dentro. Os olhos dele seguem todas as curvas do teu corpo. Seus olhos se fecham para sentir a sombra da sua mão lhe tocar. Ele não a toca. Não pode. Sabe que se isso acontecer tudo se quebra. Não se pode tocar na tela. Deixe que a moldura da insanidade a proteja.Ela ainda dança. Suas sapatilhas são vermelhas. Você abre os olhos, nada a sua volta. Fecha-os e novamente tudo está no seu lugar. Ele ainda ali. Calado e sorrindo. Num instante em que você o fita firmemente e corre os olhos sobre os seus ombros largos, ele parece ler seu pensamento. Se despe devagar fitando-a também.É ai que você sente seu prazer maior: Contempla os desenhos imergidos na pele. Seu braço. Sua pá... As cores se misturaram até que tomaram forma. Jamais sairão dali.As pintas que se espalham pelo seu corpo, mais parecem pingos de tinta do pincel que você usou na ultima aula. O membro rosado. As pernas longas e brancas. Os pés tamanho 44 com dedos alongados. Tudo está descrito. Nada precisa ser dito. Ela o convida a dançar. Ele não sabe. Ela lhe convida para dançar. Você prefere ver e ouvir suas nuanças no palco da natureza humana. Ele se senta e contempla a mensagem dela, que é a tua.Você sente seu assento molhado. Quando te olhas percebes que teu óvulo não foi fecundado. Não se mexe. Deixa que todo o seu retrato seja tomando pelo vermelho sangue. Ele te olha. Engole a saliva e num espasmo lhe beija. O desespero te encontra. A bailarina para de dançar e começa a se desmoronar em pedacinhos.Os pontos de luzes azul-lilás que compunham aquele pedaço de céu se vão. Seus pés começaram a desaparecer. E a figura dele permanece ali.Por um momento você pensou que ele quis acabar com tudo. Mas ele sabia o que se passava contigo. E mansamente fez um sinal de não para seu rosto estupefato. Foi quando sorrindo ele enfiou a mão dentro de você arrancando seu coração. Pela primeira vez você o viu e pode tocar o que lhe pulsara.Com a sombra da mão, ele acariciou o seu coração acelerado. Ergueu sua cabeça e sorrindo colocou o seu coração dentro dele. Com a outra mão nas tuas costas lhe trouxe para perto. Te suspendeu. Colocou seu membro em você. Te encaixou no coração dele e foi então que você se prendeu ali dentro...- Maria Anthônia!? Chegamos. A audiência é as 14 horas. A vitima e a testemunha chegam as 13 hs, então se quiser repassar alguma fala, temos tempo.– E o juri popular, teve alguma mudança? A que horas chegam?– Minha fonte me garantiu que são os mesmos que conferimos. E costumam chegar uma hora antes.– Ótimo! Dá tempo de tranquiliza-los e ambientaliza-los quanto ao tribunal e ao júri.– Cloves?– Sim, estou ouvindo.– Enquanto eu estiver conversando com a testemunha ofereça-lhe café. Vamos colocar bastante adrenalina nisso. Quanto mais emocionada ela impressionará o júri.– Tudo bem.– Trouxe todo o aparato? Digo, o coração, as mãos e os pés?– Consegui tudo numa casa de material hospitalar. Muito semelhantes aos reais. Possuem uma camada gelatinosa que deixam as digitais de qualquer um que os toque. A senhora vai gostar, tenho certeza. É bem melhor do que aquele que temos no escritório.– Ligue para meu medico, preciso falar com ele antes da audiência começar.– Boa tarde, o doutor Melo Neto, por favor? Diga que é da parte da Dra. Maria Anthônia.– Só um momento.– Quem é viva sempre aparece! Diga Maria Anthônia, como vai?– Boa tarde Melo Neto. Vou bem, obrigada. Estou entrando numa audiência agora, seria possível nos encontramos mais tarde, tive um sonho Freudiano?Ele sorriu. E sempre com aquela voz mansa deixou escapulir:– Você e seus sonhos interpretativos. Quando terminar a audiência me ligue, estarei em casa.– Ligo assim que terminar. Um abraço e obrigada.– Cloves, prepare flores vermelhas com espinhos enormes. Vou visitar meu medico esta noite. Também veja um bom vinho cabernet e chocolates alemães. Com toda aquela paciência, ele merece.– Mando entregar, Dr. Maria Anthônia?– Não, eu mesmo levo. Só providencie tudo.– Sabe a que horas ele entrou no consultório hoje? E quantos personagens atendeu?– Ele pegou o plantão as oito da manha e até onde sei atendeu teve dois atendimentos.– Hum, ótimo. Vamos trocar figurinhas, então! Vamos entrar...


Annycole