sexta-feira, 15 de abril de 2011

a morte


meu tio,
que ontem mesmo
perguntou as horas,
já não está

em lugar algum,

já não está
onde seu corpo está.

seu corpo está
ali, enguiçado.

meu tio
deitou-se sobre si.

melhor, deitaram
o que fora meu tio,
os pés juntos, sem

a memória do tato,
o escândalo de aves
nos cabelos,

o cheiro de urina,
os goles de naufrágio

(letes nas veias),

como um quarto
sem mobília ou gente
sobre o terreno cediço,

uma nudez,
como escurecer
desmorona uma maçã
e acende a luz
na pele
de um cavalo.

a morte agora
é sua casa, a roupa do corpo,
o oxigênio,

a carta de câmbio,
o preço do frete,
a dentadura, o aquário,

o berço, a biblioteca,
a gaveta
de gravatas,
o comprovante
de renda,
o revólver,
a certidão
de nascimento.

morrer é para sempre.

o corpo de meu tio
(sem que meu tio
estivesse presente)
foi enterrado

com um relógio
no pulso.

rodrigo madeira
* primeira das seis partes do poema
("pássaro ruim", ed. medusa, 2009)

4 comentários:

  1. Poema dolorido, Osvaldo
    Tudo e nada, nada e tudo

    Existe força maior que o amor?

    Abç


    *Bem bacana o novo visual. Psicanalise e poesia= linguagem
    :)

    ResponderExcluir
  2. ... incrivel como falar sobre morte faz refletir a vida...

    ResponderExcluir
  3. Morrer é para sempre.

    Ai, que nem disso a gente tem certeza, né!

    Malditos dramas neuríticos bem-ditos!

    Bem legal o layout.

    ResponderExcluir
  4. no fim, o corpo é somente pedaços de carne.




    bjsmeus

    ResponderExcluir