terça-feira, 22 de dezembro de 2009
DESEJO
segunda-feira, 7 de dezembro de 2009
PSICANÁLISE FREUDIANA
segunda-feira, 30 de novembro de 2009
A falta faz Poesia
La raiz del lenguaje es irracional y de carácter mágico. El danés que articulaba el nombre de Thor o el sajón que articulaba el nombre de Thunor no sabia si esas palavras significaban el dios trueno o el estrépito que sucede al relámpago. La poesia quíere volver a esa antigua magia.Sín prefijadas leyes, obra de un modo vacilante y osado, como si caminara en la oscuridad. Ajedrez misterioso la poesia, cuyo tablero y cuyas piezas cambian como en un sueño y sobre el cual me inclinaré después de haber muerto.
O anjo Damiel em "Asas do Desejo" de Wim Wenders torna-se humano por amor a uma mulher. No final do filme ele escreve: "Eu sei... agora... o que... nenhum anjo... sabe". O que Damiel sabe, segundo Betty Fuks,2 é que a condição de mortal faz o sujeito buscar a imortalidade no desejo. Por sua vez, a trapezista Marion conquistou a angelitude ao perceber que a vida e os objetos que nela desfilam são apenas transitórios, mas nem por isso menos belos.
Stuart Schneiderman diz que imortal significa simplesmente não mortal e não mortal nem sempre quer dizer vivo para sempre ou eternamente. Não mortal é também uma característica dos mortos. "Só os vivos são mortais. A busca da imortalidade, que geralmente interpretamos como uma busca da vida eterna, um desejo de negar a morte, é apenas outro nome para o desejo da morte."
Desejo de vida. Desejo de morte. Desejo súbito de fazer uma poesia. Tão necessária. Uma que leve embora essa angústia, o soluço engasgado. Uma que traga de volta o sonho. Poesia é tentativa de realização de desejos. Difusos, confusos mesmo, os sentimentos só serão entendidos pelo autor depois. Depois de dar à luz sua poesia.
Ser falante pode ser praga mas ser escrevente é bênção. É um dos possíveis destinos da pulsão. De vida? De morte? O poeta não vive tais dicotomias. Escrever poesia é lidar com o mistério sem o compromisso, aliás impossível, de explicá-lo.
Se queremos explicar o mistério, somos cientistas. Se o respeitamos, mesmo privando da sua identidade, somos poetas e dizemos coisas que não sabíamos saber. Fernando Pessoa4 pergunta:
Tens, como Hamlet, o pavor do desconhecido?Mas o que é conhecido? O que é que tu conheces,Para que chames desconhecido a qualquer coisa em especial?
O mistério, o inusitado, o imprevisível convivem como a poesia. Também na psicanálise. Entre uma linha e outra, nos pedaços em que não se escreve nada, aí ele surge. O poeta e o Inconsciente falam por enigmas.
Escrever como quem inspira (um verso) e expira (outro verso). Exercício respiratório, associação livre de idéias, catarse, espasmo, orgasmo, seja o que for, faz bem. Apesar do sofrimento de não conseguir dizer o que se deseja. Como sempre. Apesar de o Desejo não se inscrever, realiza-se, por alguns instantes, o desejo de fazer uma poesia. Plantar amores-perfeitos, narcisos e bromélias na borda do vazio existencial.
Lancan5 diz que em toda a forma de sublimação o vazio será determinante e que toda arte se caracteriza por um certo modo de organização em torno desse vazio. Sublinha a importância da Linguagem por lidar com o significante que é "aquilo que, na ordem das artes, confere sua primazia à poesia."
Jorge Luis Borges, no início de "El Golem", usando o termo arquétipo ao invés de significante, concorda com o pensamento lacaniano:
Si (como ei griego afirma em ei Cratilo)El nombre es arquétipo de la cosaEn las letras de rosa está la rosaY todo el Nílo en la palabra Nílo.
A linguagem precede o homem, é condição fundante do humano. Denunciadora e encobridora da Falta, ela nos impele à comunicação e nos remete à solidão. Linguagem é crime e castigo. Cime de Adão e Eva, que comeram o fruto proibido do saber e descobriram a sexualidade. Assim, foram expulsos do paraíso animal e condenados à liberdade. Perdemos o instinto, esse fabuloso programa de comportamentos, e ganhamos a pulsão, essa desconhecida.
Ganhamos a dúvida (quem somos? para que somos? somos?), a possibilidade de morrer (o que será então de mim?) e o desejo de fazer de conta que somos ainda animais naturais e que nossos desejos podem ser satisfeitos. Assim como as necessidades dos animais. Pura ilusão. O desejo do homem é insaciável. A completude tão almejada é impossível. Isto porque o desejo é definido pelo vazio. Um desejo aponta sempre para outro desejo e assim prosseguimos na crença insana de que existe um ou vários objetos adequados que podem ser encontrados no mercado da vida. À ilusão do encontro chamamos felicidade. Essa eternidade que logo termina.
Segundo Lacan o Inconsciente é da ordem do não realizado e é estruturado como uma linguagem. Ambos são regidos pela ordem simbólica. Os símbolos são criados a partir da ausência da coisa. Falamos e cantamos as ausências, o perdido e o nunca encontrado. Do "fort-da" do netinho de Freud até Fernando Pessoa:
Gastei uma hora pensando um versoque a pena não quer escrever. No entanto ele está cá dentroinquieto, vivo.Ele está cá dentroe não quer sair.Mas a poesia deste momentoinunda minha vida inteira.
É um trabalho letra a letra, palavra a palavra, linha a linha. Pouco sobra, quando sobra. Michelangelo divide as artes em "artes de pôr", como a Pintura, e "artes de tirar", como a Escultura. Na poesia ocorrem esses dois movimentos. Para que, além de terapêutica, seja uma boa poesia, é necessário primeiro estender os sentimentos livremente no papel e só depois fazer o corte de palavras. Isto confere intensidade ao texto e arruma seu coração.
A incompletude, a vazio, a angústia, a morte são muito falados na Poesia. O comum dos mortais sofre das mesmas perplexidades dos poetas. Assim sou eu. Assim é você. Monte de linhas embaraçadas, monte de palavras engasgadas, monte de todas as coisas vividas e morridas. No mar dos sentimentos, o poeta pesca suas palavras. O céu é do condor e a poesia, assim como a praça é de todos.
Borges dedica seu livro Fervor de Bueno Aires a quem o ler:
Recomendo fazer poesia, ou tentar. Cantar os seus exílios: paraíso perdido, mãe, pai, marido que foi embora, cidade natal, infância. Cantar até sentir que não está exilado nem sozinho. Somos parte de tudo e tudo parte de nós. Nada passou. Nada se passou a não sei um arrepio. De vida, de morte. Sossega, criança. Você morreu tantas vezes que já deveria estar acostumada.
A morte é a curva da estrada.Morrer é só não ser visto.
Fernando Pessoa
O poeta russo Sierguei Lessienin suicidou-se num quarto do Hotel Inglaterra, em Leningrado. Antes de morrer escreveu, com o próprio sangue, a última poesia. Seu amigo Maiakóvski, que continuou vivo por mais uns anos, mesmo sabendo que "Nesta vida morrer não é difícil / O difícil é a vida e seu ofício", declarou no poema dedicado ao jovem Lessienin:
Notas bibliográficas
1 Borges, Jorge L. Obra Poética. Emecé Editores, Buenos Aires, 1977.2 Fuks, B. B. "Asas do desejo, signo do amor", in Anuário Brasileiro de Psicanálise, 1991.3 Schneiderman, Stuart. Jacques Lacan – A morte de um herói intelectual. Zahar, Rio de Janeiro, 1988.4 Pessoa, F. Obra Poética. Nova Aguilar. Rio de Janeiro, 1977.5 Lacan, J. "O Problema da Sublimação" in O Seminário, Livro 7, A Ética da Psicanálise. Zahar, Rio de Janeiro, 1988.6 Drummond, C. D. Poesia Completa e Prosa. Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1977.7 Meireles, C. Obra Poética. Nova Aguilar. Rio de Janeiro, 1977.8 Maiakovski, V. Poemas. Perspectiva. São Paulo, 3a edição, 1985.9 Leal, G. Polietama II. Timbre-Taurus. Rio de Janeiro, 1992.
Sobre a autora:
Gloria Leal é psicanalista, supervisora de Medicina Psicossomática, graduada em Psicologia, URFJ – 1968, e Medicina, FTESM - 1984, e pós-graduada em Psicologia Médica.É diretora do Centro Cultural Campo da Palavra: Artes e Ciências Humanas. Livros publicados: Politeama e Politeama II.Homepage: http://www.campodapalavra.art.br/e-mail: glorialeal@campodapalavra.art.br
Matéria publicada em 01/05/2000 - Edição Número 9
segunda-feira, 23 de novembro de 2009
A Menina de Fabricio
Não havia nada no seu púbis, alem dele mesmo.
Não havia nada nos seus peitos alem dos bicos esguios em minha direção. Eu sabia que era ela. Linda! Vagabunda! Como ela conseguiu entrar? Eu podia reconhecer aqueles olhos esguios que mais pareciam facas afiadas. E aquela boca... Eu sabia, que aqueles lábios finos e vermelhos, foram os mesmos que me tocaram da ultima vez.
Olha Doutor, eu não sei como isso aconteceu!
-Quem começa, você ou eu? Ela me perguntou. E com a gilete fez um corte no braco. E me olhando lambeu-o. Eu fiquei paralisado com isso. Meu membro nesta hora já extremamente arrochado faltava explodir. Sabia Vadia! Ela sabia que eu não resistia a uma gota de sangue escorrendo pelos seus lábios.
Era surreal aquilo. Tao branca e com a boca lambuzada de vermelho. Eu não sabia mais o que era realidade naquilo ali. Caminhou até a mesa. Ela sabia que eu estava paralisado. Eu podia ver bem as curvas daquela bunda branca. Nem grande, nem pequena. Para mim era o suficiente. Não, não, eu nunca gostei de coisas indiscretas. Puxou a cadeira e levantou a perna. Colocou-a sobre a cadeira e com o salto do sapato perfurou a almofada. Eu tremi todo com isso, senti os dedos dos meus pés apertarem o chão.
Nesta hora fez um pequeno corte na perna e com o seu indicador levou ate a boca: Doce, doce! Eu não conseguia me mover, tentava sair dali, dar um passo, mas não conseguia. E mesmo fazendo todo aquele frio eu suava mais do que o saco na praia.
-Tudo o que eu quero voce pode me dar, então, comece!
Foi dizendo isso que ela se sentou na ponta da mesa se encochando. Começou a ziguezaguear nas pernas com aquela gilete e eu vendo tudo aquilo não conseguia me mover. Foi então, que ela veio ate mim, se encostou em mim, e me sujou todo. Pegou no meu membro e passou a gilete nele como se estivesse apresentando-os um ao outro. Eu sabia que ela não faria nada ali. Na verdade eu sentia, só isso. Apertou meu membro e arrancou um pedaço da minha orelha. Eu não gritei. Soltei um grunido somente. Ela sabia que o que fazia era o meu maior prazer. Sorriu de canto. Lambeu minha boca. E me chupou ate que eu caísse no chão. Eu já não sentia mais minhas pernas quando ela colocou seu peito na minha boca.
- Arranca um pedaço de mim, moco!
Eu não podia. Naã conseguia. Estava tremulo e sentia tanto prazer que mal conseguia me mover naquele chão frio.
Ela riu de mim. Toda vez que ela vem ela sempre ri de mim.
Eu não sei o que ela faz mas me paralisa, fico assim, como estou agora. Nervoso. Inquieto por dentro. Com vontade que aquelas visitas não se acabem nunca. Mas ela sempre se vai. E quando volta nunca avisa.
Aquela vagabunda de mulher. Aquela Deusa da minha mais miserável realidade. Se esconde entre as madrugadas frias. Pegou a gilete cortou o mamilo e jogou na minha cara.
-Toma, desgraçadinho! E' isso que você é!
Come isso no seu cafe da manha se conseguir se levantar dai'.
Pegou meu roupão se vestiu e ao sair:
-Nem pense em mudar a fechadura. Sorriu. Eu sei onde você guarda seu carro.Saiu e bem devagar me trancou ali no chão segurando meu...-Ok, Fabrício! Sua hora acabou. Passe ali na recepção e marque hora para semana que vem. E por favor, cuide desse machucado na orelha.
segunda-feira, 16 de novembro de 2009
Ridículas Palavras Recalcadas
Jorge Forbes
I
Aquela pena, caindo entre as árvores sobre o rapaz sentado no banco da praça, com cara meio abobalhada, lhe pareceu um lugar comum, um apelo fácil ao sentimento da platéia, onde ele estava. José se arrumou em sua poltrona e se preparou para não gostar do filme. Mas, pouco a pouco, o desinteresse foi se modificando, pois José começou a se reconhecer no personagem, tratado como um tonto por sua família, por seus colegas de colégio e que, no entanto. Desajeitadamente, ia obtendo sucesso na vida, sempre de maneira atravessada. O personagem ganhava corridas porque se punha a correr, era modelo para cantor de rock por sua disritmia, depois herói de guerra por inconseqüência e assim por diante.
O filme que lhe pareceu de início chato e sem interesse foi tomando corpo.
Freud dizia que um sonho parece ao sonhador, em um primeiro momento, dessa forma: chato e desinteressante, e que é só na medida das associações que o afeto e o interesse surgem. Pois assim se deu: terminada a sessão - de cinema - José estava lívido, aquela era a sua história. Que imenso esforço, pensou ele, lhe tinha sido até então imposto para ultrapassar suas deficiências, anunciadas como tais pelos outros.
Na sua casa familiar, em seu pequeno país natal, da América do Sul, o bom sempre estava em outro lugar: no Brasil, em São Paulo, mais precisamente na Universidade de São Paulo. Não havia encontro de família, almoço ou jantar, quando alguém se queixava do confronto a uma situação difícil, que não lhe dissessem: - “Ah, para resolver isso, só fazendo um curso na USP”. E aquela USP era tão distante para José... Se ele era aquele ponto tolo, como pretender ir à USP e, não indo, como iria suportar as dificuldades? Não tinha jeito. A USP era coisa para um ou outro de seus dois brilhantes irmãos; a ele sobrava talvez a sorte.
E no entanto, paradoxo do destino, José estava na universidade e com sucesso.
Na saída do cinema ele tentou disfarçar suas lágrimas: de raiva pelo esforço sofrido em nome de um ideal e de pena, por autocomiseração.
A hora tardia, do final da sessão, meia-noite, não o impediu de querer revisitar cada instituto, cada sala freqüentada naqueles últimos anos. Ele já fazia planos para no dia seguinte contar a seu analista sua grande descoberta: as razões de seu sofrimento. Queria ir às últimas conseqüências, sentir tudo o que devia sentir, deixar-se invadir pelas memórias afetivas daqueles lugares, às vezes calvários de castigo, às vezes de redenção, sempre religiosos.
Foi difícil entrar no setor de Filosofia tão tarde da noite mas a porta aberta, amavelmente oferecida por um professor notívago, que se retirava, facilitou a empresa. De cada carteira, de cada corredor emanavam as angústias de estar aquém do ideal. Tinha chegado à USP, mas será que a USP era lá?
E do setor de Filosofia, foi ao de Antropologia, em seqüência ao de Sociologia, ao de História... A cada passo mais clara lhe aparecia sua vida, seu percurso, como se diz. De uma certa maneira não era um saber tão movo com o qual se deparava mas nova era a forte convicção da verdade desses fatos. Freud não dizia que o obsessivo recalca o afeto mas não as idéias, diferente da histérica que recalca os dois?
Enfim, fatigado, extenuado, mas feliz pela boa descoberta, foi dormir. Na manhã seguinte, cedo, verificou se não havia se esquecido de nada do ocorrido na madrugada e que iria relatar a seu analista... Quanta expectativa! Chegada a hora, entrou e imediatamente contou sua noite em todos os detalhes. Ao fazê-lo, começou a notar que não era escutado com o interesse que aguardava. - “Será que não estou sendo claro?”, se perguntou, e buscou reforçar a importância do que dizia. O analista, assim terminado o relato, sem nada falar, levanta-se, pondo fim à sessão e lhe dando um novo horário para dali a algumas horas. Reencontrando-se no elevador, entre a sideração, a raiva e a frustração, José se perguntou o que era aquilo.
Horas depois, retomando a sua sessão, precavido, não querendo ser de novo surpreendido, de maneira bem objetiva, começou por perguntar se a sessão anterior tinha sido encerrada porque o analista pensava que assim devia fazer ou porque a sala de espera estava cheia. O analista, laconicamente, responde-lhe: “Porque entendi que deveria interromper”. José tenta então lhe explicar o absurdo sofrido, voltando sobre sua história, agora não mais emocionado mas à maneira de um advogado que exige justiça à dor de seu cliente. E, assim, em poucos minutos, energicamente, retomou e pôs em ordem os pontos capitais de sua reflexão noturna. Recebeu então uma nova resposta de seu analista, uma interpretação: - “Pois é, você arriscava acreditar excessivamente nisto tudo”. A sessão terminou aí e, com ela, uma história.
II
Gostaria de comentar esta passagem de uma análise, em duas vertentes: a do analisando e a do analista, lembrando que o imbricamento sendo tanto, o que será dito para um tem conseqüência para o outro e vice-versa.
Começo então pelo analisando.
Destacaria três momentos distintos na passagem relatada que sintetizaria nessas proposições:
a) Havia um saber, não havia uma verdade
b) Havia um saber, havia uma verdade
c) Não havia um saber, havia uma verdade.
O primeiro momento, “Havia um saber, não havia uma verdade”, corresponde ao fato de que José conhecia suas coordenadas familiares, sabia mas não dava a estas peso de verdade, de importância. E, como já referido, dissociava no recalque obsessivo a ‘idéia’ do ‘afeto’, o que possibilita uma espécie de convivência irresponsável com o sintoma.
O segundo momento, “Havia um saber, havia uma verdade”, corresponde ao da suspensão do recalque secundário: ele, José, se via alienado completamente a uma história. Nota-se um misto de responsabilidade e culpa, onde ele reconhece sua participação, mas culpa o outro por seus tormentos.
Finalmente, no terceiro momento, “Não havia um saber, havia uma verdade”, José fica com uma verdade incompleta, diríamos quanto a sua compreensão, provocada pelo analista: - “Você arriscava acreditar excessivamente nisto tudo”, o que o forçou a ir além do recalque secundário, obrigando-o a fabricar um outro tipo de saber para responder à verdade que lhe tocava.
Podemos ver aí um exemplo do que em 1977 Lacan1 estabelecia como alvo de uma análise: um significante novo. “O que eu sempre enuncio é que a invenção de um significante é alguma coisa diferente da memória (...) Nossos significantes são sempre recebidos. Por que não inventar um significante novo? Um significante, por exemplo,, que não teria, como o real, nenhuma espécie de sentido?”
No caso de José, este vai de sua memória morta a uma memória vivida e, em seguida, a um buraco na memória, o que lhe permite o futuro: o aparecimento de um novo significante.
Em 1908, Freud publica dois textos que têm seu interesse de serem lidos em correspondência: “Romances Familiares” 2 e “Escritores Criativos e Devaneios”3. Freud aí se pergunta por que existem histórias que nos aborrecem enquanto outras, ao contrário, prendem nossa atenção. Seria devido às diferenças dos temas tratados? Haveria alguns mais interessantes que os outros? É o que o bom senso levaria apensar. Mas, ainda uma vez, o bom senso pensa mal, pois Freud descobre, quanto ao tema, que neuróticos e escritores se referem ao mesmo, ou seja, ao que lhes falta, ao que desejam, com a diferença que a maneira de desenvolver uma resposta não é a mesma para cada um deles.
A base do romance familiar do neurótico é, frente à decepção sofrida com a sua família de origem, constituir uma outra mais valiosa, mais adequada aos padrões ideais. No caso de José, ir para a USP.
O escritor criativo, por seu lado, não tem tanta certeza de um ideal. Ele se inventa um lugar e assume a responsabilidade por sua escolha. A particularidade de suas opções permite aos leitores fazerem o mesmo.
Freud destaca a culpa e a vergonha como os fatores que se alteram do neurótico para o escritor criativo: “... a verdadeira satisfação que usufruímos de uma obra literária procede de uma liberação de tensões em nossas mentes. Talvez até grande parte desse efeito seja devida à possibilidade que o escritor nos oferece de, dali em diante, nos deleitarmos com nossos próprios devaneios, sem auto-acusações ou vergonha”.4
Difícil dizer que, à semelhança de um escritor, o analista leve o analisando a se deleitar com seus devaneios, tal como Freud acaba de enunciar. Entretanto eles se aproximam no ponto em que uma análise também modifica as auto-acusações, a culpa e a vergonha. No lugar da culpa sempre referida a um outro, uma análise conduz à responsabilidade sobre seu próprio gozo.
“Coma seu daseiri5, fórmula em que Lacan se expressou a respeito da tarefa do analisando, quereria dizer que nenhuma culpa, arrependimento, castigo ou promessa poderia liberá-lo desta dura obrigação, a de roer o osso de sua existência.
A intervenção do analista, no caso de José, o impulsionou a sair de seu repetitivo romance familiar, desacreditando suas queixas - “Eles me viam como alguém distraído e pouco inteligente” - e também sua solução - “Tinha que ir para a USP”. Não há uma história que explique uma vida, pois a vida excede todas as histórias.
III
Passemos agora ao comentário, vertente do analista. Chocou José ao final da primeira sessão relatada, a pouca, até mesmo nenhuma solidariedade demonstrada pelo analista, face a seu drama. É fato, o analista não é cúmplice da paixão exposta mas, pela sua posição, revela a qualidade, a função de prótese, de obturação, da história contada.
É como se ele ridicularizasse, na acepção de realçar o absurdo, a explicação de um sofrimento. Ele questiona a relação de compromisso estabelecida pelo sintoma neurótico. Para ele, neste sentido, também é válida a descrição que Denis Diderot faz do ator, em seu famoso paradoxo: “É o olho do sábio que capta o ridículo de tantas personagens diversas, que o pinta, e que o faz rir, quer desses importunos originais de que fostes vítima, quer de vós mesmo. É ele quem vos observava e quem traçava a cópia cômica, quer do importuno, quer de vosso suplício”. E ainda: “Mais impressionados (os atores) por nosso ridículo do que tocados por nossos males, de um espírito bastante sereno ante o espetáculo de um acontecimento lastimável, ou ante o relato de uma aventura patética; isolados, vagabundos, à mercê dos grandes; poucos modos, nenhum amigo, quase sem qualquer dessas santas e doces ligações que nos associam às penas e aos prazeres de outrem que partilha dos nossos”6
Realçando o ridículo que existe no envelope choroso de um sofrimento, o analista colabora para que o analisando não se tome por demais a sério. Dissocia dor e relato da dor, provando que freqüentemente sofre-se mais pelo que se conta do que pelo que se sente. Como já sublinhado, a vida excede as dimensões de todas as histórias, sendo o que explica, a meu ver, que as biografias só possam contar a história dos que já morreram. Há sempre um excesso, um ridículo a suportar na vida; o ridículo é o particular que não se encaixa em nenhum universal. São ridículos, por exemplo, os termos de ternura quando ditos em público, os apelidos cúmplices, os carinhos. Aquilo que só serve a um, a dois ou a um pequeno grupo é habitualmente tachado de ridículo.
Evitando o excesso da vida, o sintoma neurótico se oferece como uma roupagem sóbria, ao ridículo, ao singular de um desejo. É o que podemos notar a propósito do que chamamos o recalque secundário; no caso de José, sua infortunada história.
Uma análise deveria levar uma pessoa que a realiza a melhor contar o ridículo de sua vida, tal como o sugere Fernando Pessoa em um poema escrito por seu heterônimo Álvaro de Campos e intitulado: “Todas as Cartas de Amor”7 . Ele diz assim:
Todas as cartas de amor são
Ridículas
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor
Como as outras,
Ridículas.
As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.
Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas
A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.
No começo, ao se deparar com o amor, com o que se diz do amor, as cartas de amor são consideradas pelo poeta como ridículas. Depois, progressivamente, ele se dá conta que são aqueles incapazes de escrevê-las, os que são ridículos. Aí estaria uma metáfora ilustrativa do que quis dizer para uma análise: conseguir, com as palavras para sempre recalcadas, ridículas, escrevê-las em cartas de amor.
segunda-feira, 9 de novembro de 2009
TRANSFORMES e o Grande Outro
Fiquei pensando como o Filme Transformes foi um grande sucesso? Qual o elemento humano que nele foi trabalhado? E comecei a divagar. Veja! Com um transformes na garagem você não gasta com gasolina, ipva, seguro obrigatório, o próprio seguro do carro, nunca vai ser assaltado por marginais no sinaleiro ou em uma distraída entrada de garagem. Além de que em apenas um grito ele estará do seu lado viril e vivaz. Ai de quem querer tirar algo de ti. Pois bem, nesse filme o Grande Outro existe! Penso que esse fato o torne um sonho velado e estimado... Ai aiiii Transformes me mordamm!!!
terça-feira, 3 de novembro de 2009
Análise da Malemolência
segunda-feira, 26 de outubro de 2009
HÉLIO PELLEGRINO, psicanalista e poeta
“A psicanálise é, para mim, a ciência da libertação humana. Quem fala em liberdade humana fala sempre em comunicação e encontro. A psicanálise é, portanto, a ciência da comunicação e do encontro. O trabalho psicanalítico visa a construção de um encontro entre duas liberdades. Isto significa que a psicanálise visa o encontro entre duas pessoas, já que o centro da pessoa é a liberdade. Não há liberdade sem abertura ao Outro, sem consentimento na existência do Outro como tal e enquanto tal. Os distúrbios emocionais podem ser conceituados como limitações estruturais dessa abertura, implicando uma perda em disponibilidade com respeito ao Outro. Se minhas ansiedade básicas exigem de mim que faça do Outro um instumento do meu esquema de segurança, já não posso aceitar o Outro em sua essência de ser-outro. Vou invent´-lo à imagem e semelhança de meus temores, torno-me o eixo da referência ao qual o Outro deve referir-se e submeter-se. A psicanálise, sendo um longo convívio humano antiautoritário, é um chamamento à liberdade e à originalidade do paciente e do analista, para que ambos assumam a alegria da comunicação autêntica”.
Clarice: Hélio, diga-me agora, qual a coisa mais importante do mundo?
Hélio: A coisa mais importante do mundo é a possibilidade de ser-com-o-outro, na calma, cálida e intensa mutualidade do amor. O Outro é o que importa, antes e acima de tudo. Por mediação dele, na medida em que recebo sua graça, conquisto para mim a graça de existir. É esta a fonte da verdadeira generosidade e do autêntico entusiasmo – Deus comigo. O amor ao Outro me leva à intuição do todo e me comple à luta pela justiça e pela trnsformação do mundo.
(In: Antonia Pellegrino (Org). Lucidez embriagada. São Paulo: Planeta, 2004.
Hélio Pellegrino, poeta:
O ÁUGURE
Sou um prisma às avessas
as cores em mim se confundem
sou um tapete de ecos
uma cachoeira de gritos
uma cordoalha de muitos tempos
A esfera de lantejoulas
- passado presente futuro -
roda refletindo mil sóis
Sou essa colméia de incêndios
essa assembléia de sinais
esse rumor insone
Rio de Janeiro, 26 / 2 / 1980
O poema faz parte do livro Minérios domados, organizado por Humberto Werneck, Editora Rocco, Rio de Janeiro, 1993.
segunda-feira, 19 de outubro de 2009
A mesma coisa cem mil vezes dita
quarta-feira, 14 de outubro de 2009
O Corvo, o Analista e a Interpretação Part III
NOTAS
LACAN, J. Cf. ainda: "só a poesia permite a intepretação" ou ainda "é porque a interpretação toca o real que a verdade se especifica de ser poética". Estas passagens se encontram na aula de 19/4/77 que concentra junto com a de 15/3/77 as refererências que citaremos a seguir. Cf. "Vers un significante nouveau" in: Ornicar?, 17/18, p.15-16.POE, E. A. "The Raven". Citamos aqui a tradução em português de Fernando Pessoa.POE, "La genèse du poème" in: POE, E. A. Edgar Allan Poe: contes, essais, poèmes. Collection Bouquins, ED. Robert Lafont, Paris, 1989..Mot plein no original. O termo francês plein remete em português a dois significantes: "cheio" e "pleno". Optamos pelo primeiro, devido ao caráter concreto que Lacan lhe confere aqui, não mais relacionado à problemática do sujeito, como na concepção da fala plena (parole pleine) de seus primeiros seminários. Esta distinção fica ainda mais clara ao se observar que neste ponto ele utiliza mot e não parole, indicando não se tratar de fala mas de palavra, reforçando seu sentido material.Cf. "Aquilo que enunciamos sempre, poque é a lei do discurso, é isso mesmo que deveríamos superar". Ibid. Não poderemos retomar em detalhe a distinção entre palavra vazia e palavra cheia que são intrinsecamente ligadas à fala vazia e fala plena. Estas noções foram trabalhadas de maneira aprofundada por Pierre Bruno em seu seminário de DEA do Departamento de Psicanálise de Paris VIII de 93-94 (inédito). Boa parte das reflexões que apresento aqui foram possíveis graças a este seminário das quais já pude dar uma noção antes: Cf. VIEIRA, M. A. "L'inteprétation, l'équivoque et la poésie" in: La letre mensuelle n° 139. Cf. Também BRUNO, P. "Un sésame de oui" in: La lettre mensuelle n° 136.Este termo em francês (équivoque) tem um sentido bem mais próximo da ambigüidade e da suspensão da significação que em português no qual é muito freqüentemente assimilado à "erro" ou "engano". Seu sentido original em nossa língua entretanto é próximo ao do francês.Na aula de 19 de abril deste seminário, Lacan nos proporá uma experiência topológica com o toro entrelaçado (retomada e comentada por Pierre Bruno). Ele demonstra através de um objeto constituído a partir do toro e composto de vários anéis articulados que reproduzem a articulação das palavras, que o próprio da poesia é a articulação não de uma palavra vazia a uma outra (fala vazia) nem de uma palavra cheia a uma outra (fala plena), mas de uma palavra cheia a uma palavra vazia. Cf. por exemplo: "A psicanálise [assim como a poesia] pode ser uma picaretagem, mas não como as outras. É uma picaretagem que vem a calhar com aquilo que é o significante" ou ainda: "Tudo que se diz é uma picaretagem (...) o que se diz do inconsciente participa do equívoco" LACAN, J. Ibid.Optei por "lacuna" ao invés de "buraco", embora este último termo correspondesse à tradução mais literal de trou, termo utilizado por Lacan nesta passagem, porque este tem em francês um sentido bem menos concreto que seu equivalente em português.JAKOBSON, R. Six leçons sur le son et le sens, Paris, Minuit, 1976. pp.21-23.ECO, U. "De Aristote à Poe" in: Nos grecs et leurs modernes, Paris, Seuil, 1992.O próprio Edgar Allan Poe afirma ter escolhido esta palavra pala sua "faculdade onomatopeica", virtualmente encerrada em seus sons. Além disso a escolha do corvo se justifica também a partir de seu estatuto ambíguo quanto à fala: entre homen e animal, o papagaio foi descartado pois anularia todo o efeito trágico. Cf. "La genèse du poème" art.cit .Cf. e Jakobson op. Cit. SOLER, C. "Sur l'interprétation" in: La letre mensuelle n° .Em sua tradução Fernando Pessoa, descarta este nome, fundamental no texto original e que é mantido em sua tradução francesa, seja a de Baudelaire seja a de Mallarmé.Cf. LACAN, J. Le séminaire Livre XVII pp. 39-40.MILLER, J.A. "Silet" (seminário inédito), aula de 18/1/1995.
*Poema O Corvo de Edgar Allan Poe
segunda-feira, 12 de outubro de 2009
O Corvo, o Analista e a Interpretação Part II.
Partiremos do seguinte pressuposto: o lugar de honra dado por Lacan neste momento de seu ensino à poesia en detrimento da fala plena liga-se à estrutura singular do que é por ele designado como o "tour de force" do poeta que consiste na articulação de uma palavra vazia a uma palavra cheia. O estatuto privilegiado desta articulação específica, enfatizado por Pierre Bruno , é o que permite à poesia dar um lugar ao real apesar de sua inserção estrutural no terreno da picaretagem . Note-se que ao descrever este tipo de articulação não fazemos mais do que delimitar a estrutura geral de uma afirmação equívoca do ponto de vista formal. A ambigüidade se instaura com efeito a partir de uma torção sobre aquilo que na língua é, segundo Lacan, "amadurecimento de algo que se cristaliza com o uso" como por exemplo as significações do dicionário. Estas são deslocadas por um novo sentido constituindo uma palavra com duplo sentido. É por esta razão que ele afirma em seguida que a atividade poética nasce de uma violência à língua. Isto equivale a dizer que só existe ambigüidade e duplo sentido à partir de uma torção exercida sobre o tesouro de significações da língua. Sua instalação depende de uma palavra com um único sentido precedendo a palavra com duplo sentido. Esta só se constitui porque apóia-se nesta palavra tida por unívoca que é por vezes apenas implícita. Introduz-se então uma questão fundamental: como diferenciar a interpretação equívoca de uma proposição equívoca qualquer? Esta questão se desloca imediatamente para um nível "técnico" transformando-se em: se o equívoco interpretativo tem um estatuto específico do ponto de vista formal, como produzi-lo?
A ênfase dada por Lacan neste seminário, não tanto na palavra vazia ou na palavra cheia mas na articulação destas como instrumento do efeito poético, nos indica que é menos a palavra cheia que o efeito desta mudança de registro (ou seja a passagem da significação ao duplo sentido) que deve interessar-nos aqui. Eis então outra indicação de Lacan a este respeito que me parece fundamental: "a metáfora e a metonímia só tem alcance interpretativo na medida em que elas são capazes de funcionar como outra coisa. E esta outra coisa da qual elas exercem a função é exatamente aquilo pelo qual se unem fortemente o som e o sentido". Trata-se de uma referência ao mesmo tempo clara e enigmática. O texto é simples, lê-se facilmente o que é dito, mas desvela-se uma "outra coisa" e uma "outra função" que parecem nos escapar.
Esta passagem, ao menos em sua primeira metade, esclarece-se a partir do que Lacan nos diz a seguir: "a poesia é efeito de sentido e também efeito de lacuna" Compreendemos então que trata-se primeiramente de lembrar que cada criação de sentido é acompanhada por um tempo de non-sens anterior logicamente à instalação do novo sentido. Este momento lacunar, que Lacan designa por vezes como "efeito de sentido" (real) opondo-o ao "sentido" (imaginário), liga-se àquilo que funda a interpretação. Ele se dá a partir da abertura do intervalo S1-S2 por ação de uma articulação significante singular que suspende por um instante a significação. Não se trata de um intervalo real mas sim virtual, que se realiza neste instante de horror suturado em seguida por um sentido novo.
A palavra cheia se constitui assim a partir do cristal da língua, instalando-se com o novo sentido o qual efetua uma verdadeira Aufhebung do sentido esperado, conservando-o e anulando-o ao mesmo tempo. No instante do non-sens, neste buraco, jaz a possibilidade de que em seguida se estabeleça um efeito de sentido inédito: um acontecimento que não responda à demanda com um sentido a mais (que não será nunca o certo, o exato) mas com outra coisa, um "extra". Em outras palavras, a interpretação apóia-se nesta propriedade da ambigüidade significante para introduzir um "mais-de-sentido", o qual, devido à sua inserção no limite da significação, passa de um "sentido-a-mais" a um "a-mais-do-sentido".
A segunda parte da passagem que examinamos aqui interessa-nos especialmente porque parece-nos indicar os meios pelos quais podemos chegar a este efeito. Lacan revela que o equívoco interpretativo se funda na função daquilo que une fortemente o sentido e o som. Entretanto, ainda não saímos totalmente da obscuridade. Com efeito, como tratar esta outra coisa que liga som e sentido e que dá um alcance interpretativo à ambigüidade?
quinta-feira, 8 de outubro de 2009
O Corvo, o Analista e a Interpretação Part. I
segunda-feira, 5 de outubro de 2009
Viração
quarta-feira, 30 de setembro de 2009
Há um lugar para se criar
segunda-feira, 28 de setembro de 2009
quarta-feira, 23 de setembro de 2009
Milágrimas
segunda-feira, 21 de setembro de 2009
Psicanálise e Arte
As criações, obras de arte, são imaginárias satisfações de desejos inconscientes, do mesmo modo que os sonhos, e, tanto como eles, são, no fundo, compromissos, dado que se vêem forçadas a evitar um conflito aberto com as forças de repressão. Todavia, diferem dos conteúdos narcisistas, associais, dos sonhos, na medida em que são destinadas a despertar o inteesse noutras pessoas e são capazes de evocar e satisfazer os mesmos desejos que nelas se encontram inconscientes. À parte isto, fazem uso do prazer perceptivo da beleza formal, aquilo a que chamei um prémio-estímulo. Aquilo que a psicanálise foi capaz de fazer consistiu em captar as relações entre as impressões da vida do artista, as suas experiências causais e as suas obras e, a partir delas, reconstruir a sua constituição e os impulsos que se movem dentro dele. Não se deve julgar que o salaz que procura uma obra de arte se anule pelo conhecimento obtido pela análise. A este respeito é possível que o profano espere acaso demasiado da análise, mas deve advertir-se que ela não esclarece os dois problemas que são, provavelmente, os mais interessantes para ele: não esclarece quanto à natureza dos dotes do artista, nem pode explicar os meios de que o artista se serve para trabalhar a técnica artística.
Sigmund Freud, in 'O Pensamento Vivo de Freud'
segunda-feira, 14 de setembro de 2009
Noites da Biblioteca - Dia 17 de Setembro (quinta-feira) - EBP - Delegação Parana
Escola Brasileira de Psicanálise - Delegação ParanáR. Tibagi nº 294 - conj1106Tel: (41) 3324-6432Horário da secretaria: Segunda a Sexta das 14:00h as 18:00h.
A Agenda Semanal pode ser visitada também pelo site: http://www.ebp.org.br/escola/delegacoes/del_parana/parana_ativa.html
Sobre Literatura e Psicanálise
Técnico, do grego, technikós, relativo à arte, pelo latim technicu. Etimologicamente, é bastante curioso que o adjetivo técnico, diga primordialmente, de orientação para o fim artístico. Tensionando ainda a etimologia, traremos do grego a palavra Método, de Méthodos- caminho para se chegar a um fim, intenção. Damos estas primeiras referências para fazermos frente a uma certa compreensão da poesia enquanto experiência calcada na primeira impressão, fruto mais da emoção, da inspiração, que do trabalho de escritura. Trabalho da técnica. Adiantamos que, nosso intento é o de dizer de uma técnica que combine sobre a emoção, a intenção e o acaso, o aleatório, efeitos de letra ou de deslocamento de sentido conforme efeitos de significante no verso. A palavra, na técnica da poesia, antes de ter por primazia a emoção, tem na intenção seu verdadeiro rumo. Técnica na poesia, tem relação com o ritmo, com a estrutura do poema e a exploração de recursos e possibilidades minimamente gráficas, fonéticas e imagéticas para fixar e/ou ampliar a idéia e as cenas do poema. O arranjo das letras na página, das palavras no verso, dos versos no poema, configuram entradas, janelas para cenas, imagens e sentidos propostos. O poema assim constitui uma referência simbólica que toca o real através de palavras e imagens. Essa construção dá-se em torno da emoção ou em torno de nada. Técnica diz da intenção, de um método, de um caminho, que supõe uma direção, que no caso da poética, então, não exclui os sentidos. Certos textos, na forma de uma escansão podem re-velar sentidos legíveis isoladamente, mas que no conjunto do poema reforçam uma idéia geral. Como por exemplo, numa aquarela, as cores do guache compõem um conjunto. Em lugar dos matizes da cor, as nuances de sentidos das palavras. Em lugar do quadro, o poema. A obra sustenta assim, em seu conjunto a possibilidade de vários elementos tensionados em torno de um idéia. Pensando nesse rumo, não é demais propormos a possibilidade de uma técnica que se defina segundo princípios como o aleatorio. O aleatório, bem pode ser sujeito à determinação da intenção a posteriori; como o surgimento de uma palavra no ato da escritura, momento não calculado de valorização de uma memória de vida (impressão) ou memória de leitura; pois sabemos, somos habitados por palavras. Novamente uma consideração kavafiana sobre a experiência do poeta com as palavras arcaicas, palavras relembradas:" Um dos talentos dos grandes estilistas é fazer com que, pelo seu modo de empregá-las, palavras obsoletas deixem de parecer obsoletas. Elas ocorrem com maior naturalidade nos textos deles, ao passo que nos de outros parecem afetadas ou fora de lugar. Isso se deve ao tato & discernimento de tais escritores, que sabem quando - & somente quando – o termo em desuso pode ser empregado & revelado artísticamente agradável ou linguisticamente necessário; & então ele só é obsoleto de nome. Trouxeram-no de volta à vida as naturais exigências de um estilo vigoroso ou sutil. Não é um cadáver desenterrado (como no caso de escritores menos capazes) mas um belo corpo despertado de um sono longo & reparador. " K.Kaváfis, Reflexões sobre poesia e ética, pp. 59 Situemos o aleatório ao lado do inesperado, da palavra inesperada advinda de um des-conhecimento cultivado desde a leitura e do conhecimento da poética de vários autores e, derivado da própria relação com a causa particular que articula o ser na poesia, com o mundo das palavras e, imprime ao poeta a urgência de escrever, transmitir. Podemos mesmo propor uma técnica, então, que afine intenção e acaso. O acaso, conforme Lacan, em Lituraterre, está do lado da letra, do lado do efeito significante também. Nossa atenção particularmente estaria voltada, desde o conhecimento de Mallarmé e de Lacan, para a letra. Letra que presentifica o inconsciente na cadeia de significantes e, também na escritura poética. No meio do caminho haveria a letra.... Mas, haveria afinidade entre uma técnica de escritura poética e uma técnica analítica na direção da cura? Para continuarmos é preciso que estabeleçamos, como fundamento para nossa reflexão indicadores de similaridade e distinção entre os termos da relação e literatura e psicanálise e, em assim sendo, propomos desde já uma ruptura radical entre ambas, em termos de uma influência poética na técnica psicanalítica, salvaguardando a arte poética em ter que se haver com a clínica, e à psicanálise de um equívoco. Entretanto, é interessante observar que a experiência analítica desenvolve-se no campo da linguagem, estando portanto, submetida à efeitos de e no discurso. Se pudermos tomar o discurso/texto da análise como texto/escritura, conforme alude Lacan, e o que através desse texto resta por traduzir-se em palavras, já teríamos um ponto de partida. O campo onde articulam-se os elementos da poética é o mesmo Outro campo onde inscreve-se o sujeito do inconsciente, a saber, a linguagem. Em todos os casos, o texto poético expõe uma relação de subversão da língua pelo escritor, onde a produção de certos efeitos dirige-se à construção de sentidos, imagens ou cenas e, em assim sendo, de uma intencionalidade. A forma e suas partes devem se articular de modo a possibilitar esta leitura (i)mediata da imagem. É importante ressaltar que esse trabalho é em parte influenciado pelo inconsciente. Determinados poetas podem atribuir ao dom poético, expressão tão adequada à ficção e à literatura, às manifestações de um Outro sobre si, outros podem tentar transmitir o sentimento de mundo, depuração da existência, outros podem simplesmente encarar como um ofício, o trabalho de um ourives sobre a jóia. Dificilmente todos estes escaparão do movimento aleatório que é o trabalho permanente de irrupção do inconsciente, efeito da e na escrita, mais ou menos filtrado ou antes censurado entre as limalhas dos excessos de cada verso. } Daí certa sinceridade fundamental, não-intencional, porém intensional, presente na obra de grandes poetas, em meio ao fingimento poético. Isto poderia servir-nos para definir, de certo modo, o universal numa obra literária. Manteremos a questão, se poderíamos investigar na escolha da escrita como forma de expressão, uma relação com a causa do desejo. Alguns trabalhos de Freud, procuram dar conta desse tipo de questão. Só para lembrarmos alguns, mencionaremos seu artigo sobre Leonardo da Vinci, onde investiga uma pulsão de conhecimento, desejo de saber, relacionado ao modo como alguém - nesse caso da Vinci- obteve a transformação da libido em seu objetivo sexual, em investimento no objetivo artístico. Freud relaciona esta capacidade de transmutação pulsional à uma vivência infantil, o confronto com a questão sexual, que se traduziria em uma de suas variações, na curiosidade em torno do nascimento, sendo assim formulada, "de onde vêm os bebês ?". Desse trabalho de investigação e pesquisa sexual infantil, derivaria todo o investimento pulsional necessário a que se formasse no indivíduo uma preocupação intelectual; de pesquisa ou de criação. Citemos Freud: "Algum tempo após o término das pesquisas sexuais infantis, a inteligência, tendo se tornado mais forte, recorda a antiga associação e ajuda a evitar repressão sexual ( ou recalcamento) e as suprimidas atividades de pesquisa emergem do inconsciente sob a forma de uma preocupação pesquisadora compulsiva, naturalmente sob uma forma distorcida e não-livre, mas suficientemente para sexualizar o pensamento e colorir as operações intelectuais, com o prazer e a ansiedade características dos processos sexuais..." Freud, ESB vol XI pp. 74. A questão sexual, enquanto motor das experiências intelectuais, encontra sua base numa teoria acerca do pai e sua implicação na primeira questão sobre os bebês. Outros desenvolvimentos fazem também uma interpelação à psicanálise. Lembramos do caso de Anne Sexton, poeta americana dos anos sessenta, contemporânea de Sylvia Platt. Uma dona de casa que tratava-se psiquiatricamente, tendo-lhe sido, casualmente apontada a via da escrita como função (terapêutica ?) sobre a angústia que a afligia. Iniciou intensa produção poética sobre temas como o feminino, a masturbação, o tédio, o casamento, o homossexualismo e a solidão. Seu caminho na literatura culminou num prêmio Pulitzer na década de sessenta. Há muito o que se pensar em casos como esse; sobre esse tênue véu que separa a dor, do fingimento e a ficção, da realidade, sobre uma visceral necessidade da escrita. Ou sobre uma necessidade de ordenação que encontra na escrita e na escritura uma viabilidade para uma estabilização; já que sustentamos que o inconsciente enquanto efeito de frase, verso ou letra transita pelo poético. Seria também o caso de pensarmos em termos de vice-versa ? Alguns poetas, dentre eles Fernando Pessoa e Konstantinos Kaváfis, trataram dessa relação entre o fingimento e a verdade na poesia. Kaváfis, chegou a escrever : "Não mente sempre a arte ? E não é quando mente mais que ela se revela mais criativa ?". Kaváfis, parece estabelecer a sinceridade do lado da impressão, que, por seu turno, sendo impressão da experiência vivida (aqui notamos certa afinidade com a questões de Freud sobre a percepção e a memória, vide carta 52), pode ou não ser utilizada imediatamente como tema da escritura. Porém na arte, verifica-se que, as impressões ‘artísticas’ demoram a ser usadas "e quando, enfim se cristalizam em palavras escritas, é difícil lembrar a ocasião primeira onde nasceram e de onde se originaram as palavras escritas". Neste depoimento de Kaváfis, um exemplo de como na arte as impressões prestam-se, desejosamente, à distorção e à acomodação segundo a sinceridade para com a arte. Passo à transcrição integral de uma anotação de um de seus livros póstumos, onde ele mesmo diz desse real que se interpõe entre a impressão, a memória e a verdade: "Da impressão, ou pouco depois dela, surge o poema. A impressão – sensual ou intelectual – era viva e sincera; o poema ( não forçosamente porque ela o fosse, mas por uma feliz coincidência) também é belo, vivo e sincero. O tempo passa. A impressão – seja pelo concurso de outras circunstâncias antes desconhecidas, seja pelo desenvolvimento das coisas ou pessoas que a suscitaram – parece agora vã e risível. Assim também o poema. Não sei se é justo. Por que deslocar o poema da atmosfera de 1904 para atmosfera de 1908 ? ( ainda bem que os poemas são muitas vezes crípticos; podem assim acomodar-se a outros sentimentos ou circunstâncias conexas.)" Kaváfis, K.- Reflexões sobre poesia e ética- Tradução do grego por José Paulo Paes, Editora Ática, 1998, SP. Sinceridade, nesse contexto, aponta a coerência entre a impressão primeira e a forma ulterior da obra, o que reforça uma idéia segundo a qual, de acordo com a intencionalidade, que citamos como um vetor para o escritor, o exercício da escritura seria a via pela qual tal coerência se instauraria. Exercício da intenção, exercício na intensão. Assim instaurando a intenção, que exige o apuro do recurso e concerne à técnica, alcançaríamos o nível da ficção. Tanto melhor será se essa ficção comportar um breve traço da realidade que a ocasionou. Na obra que distorce a primeira impressão, aproveitando-lhe alguns fragmentos, persiste um caráter mais ou menos universal, posto que, pode dizer de algo verdadeiro para vários outros homens, como um traço verdadeiro "de uma breve passagem" recolhida pelo poeta, de uma vivência anterior. Se há uma causa que determina a relação de um sujeito com a escrita, poderíamos dizer que a escritura poética é uma alternativa de bordejamento do real em sua circularidade discursiva ( a da escritura ). Incorporando tal circularidade como concernente ao método, definiríamos poesia como o inapreensível, e o poema como resto simbólico de uma operação de captura. Esse produto, o poema, além de restar enquanto arte, inaugura um limite conquistado no trabalho de escritura, no projeto de cada poema. Pois, em poética, considerando-se o acaso, e certo a posteriori nos limites da interpretação, um poema pode antecipar-se ao autor pela via de uma de suas significações, pode tratar com profundidade um tema em alguns poetas ou com abrangência o mesmo tema em outros, desde que com a maturidade ex-cêntrica do lugar do poeta, seu exercício, sua ética. Um singelo exemplo na descrição do romancista inglês E.M. Forster, de Konstantinos Kaváfis, "um cavalheiro grego, de chapéu de palha, estacionado num ligeiro ângulo de afastamento em relação ao universo", valho-me desta descrição para aludir à possibilidade de tratar-se sempre para o poeta, de uma outra posição subjetiva, uma posição de afastamento, de distanciamento em relação ao universo simbólico. Como alguém que conheceria, des-conhecendo, o mundo das palavras e das coisas, e do intervalo real de onde decorre a possibilidade da poesia, mas também da angústia e de todas as outras conformações subjetivas, que são, em realidade também discursivas . Talvez disso os poetas saibam, embora talvez, também nem sempre disso se valham. Pois, poderíamos pensar que a escritura, a literatura, seria uma tábua de salvação no mar de angústia e de símbolos que comporta a existência, se é, nem sempre o é para todos. Vários pontos dessa relação entre a escrita, a angústia e a verdade, bem como a memória e o esquecimento, interessam à psicanálise, porque parecem interrogá-la sobre um modo particular de relação com o inconsciente, que o escritor no ato mesmo de sua escrita, dispõe como ficção. Ao que parece por mais oculta que esteja a relação com a primeira impressão verdadeira, motivadora da obra, esta permanece no conjunto como apenas um traço. No caso da obra de arte, o que seria considerado repressão e teria como efeito o sintoma, assume uma conotação estética e mantém em aberto uma possibilidade intelectual, de prazerosa convivência com um fragmento de verdade, na obra de arte, o poema.
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