segunda-feira, 31 de agosto de 2009

A Poesia e a Clínica

A professora Walkiria Helena Grant, Pós-graduada em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano do Instituto de Psicologia da USP; analista-membro da Associação Campinense de Psicanálise, apresentou um trabalho com o titulo de "O DIAGNOSTICO ESTRUTURAL E SUA RELAÇAO COM A TRANSFERENCIA EM UM TRATAMENTO ANALITICO" na reunião do GT "Pesquisa em Psicanálise", no décimo Simpósio de Pesquisa e Intercâmbio Científico da Anpepp, em Aracruz, Espírito Santo em 2004. Esse mesmo trabalho foi adaptado a revista Agora na publicação de jul/dez 2007.
Nota-se nesse trabalho a importância da capacidade simbólica que a poesia pode fornecer ao sujeito,em especial a casos clínicos limites, no qual o sujeito apresenta um funcionamento neurótico coexistindo com o mecanismo de foraclusão.
É um trabalho que vale apena ler e estudar e que tem como ancoragem final uma poesia de Chico Buarque. Cara leitores - "Bom proveito".


Link para o Trabalho:
http://www.scielo.br/pdf/agora/v10n2/a03v10n2.pdf

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

A POESIA DE ADÉLIA PRADO E A PSICANÁLISE:A ENCARNAÇÃO DO REAL (Cristiana Facchinetti)

Qual a relação entre psicanálise e literatura? Duas vias podem ser abordadas: uma vez que a cultura encontra-se como tema de estudo da psicanálise, seus produtos, incluindo neles a literatura, devem ter lugar em sua pesquisa. Este parece ser o caminho tomado por Freud, que utilizou personagens e obras para "vislumbrar a vida imaginária dos homens".

No entanto, Freud acaba por apontar outro viés que nos encaminha para um mais além do imaginário: o fenômeno literário passa a ser também pesquisado sob o ponto de vista de um inapreensível para a ciência, denominado por ele como prazer preliminar.

A partir da trilha iniciada por Freud, Lacan se volta de maneira sistemática para a literatura, propondo uma concepção para esta que se distancia de um tratamento de sujeito dado às personagens.

"A Carta Roubada"é um texto que permite-nos verificar tal reflexão. Nele, as personagens são elos de uma cadeia simbólica que se alteram e deslocam-se sob a influência da carta (a letra) como significante. A partir de tal formulação, as entrelinhas do texto surgem como inscrição no discurso e nos seus possíveis efeitos de sentido. A literatura é aí pensada como aquilo que resulta da sublimação e do desejo que se sustenta na cadeia significante.

Entretanto, e é aí que a questão nos interessa particularmente, só haveria sublimação no contexto do que Lacan vai chamar de boa neurose. Assim, se a sublimação supõe um saber capaz de produzir a obra, tal saber implica, por outro lado, levar a escrita até os limites máximos de si mesma, ao mesmo tempo em que a mantém presa a um laço social, isso é, produzindo um discurso que possa ter sentido.

Trata-se, portanto, de uma inscrição do real no simbólico, inscrição essa sempre parcial, inacabada, mas que deixa apresentar o real na sua dimensão de presentificação primeira no psiquismo. Tal dimensão aponta para uma tensão entre o saber e aquilo que não é passível de se acessar pela via do conhecimento.

Um poeta em carne

A poesia de Adélia Prado está justamente compreendida naquilo que aponta para o impossível: o real. Tal modo associa-se ao corpo erógeno, à carnalidade do desejo, que se apresenta como uma obra onde o campo da afetação e o da intensidade pulsional comparecem com sua força, onde pode irromper o novo em sua brutalidade carnal e surpreendente.

É neste nicho que se abre, no esburacar-se das sedas, que se produz a obra de Adélia Prado. Longe de dissipar seu pulsar erótico e erógeno num eterno mirar de seu próprio umbigo, ou de controlar e acorrentar o mundo que o cerca, o poeta põe-se defronte ao mundo e é por ele atravessado.

O poeta recusa a condição de gauche / coxo na vida. Sua delimitação crucial é muito mais sua condição de poeta e o fato de que tal condição particular lhe abre uma porta, um a-mais para uma nova possibilidade: a de ser desdobrável.

Tal sina dirige a poesia retroativa e paradoxalmente para a (re)inauguração do sujeito, constituído e constituinte da carne mesma: não é preciso esquivar-se do mundo e de suas impressões uma vez que a Coisa falta. Ao invés disso, trata-se de desejar e de comungar sensorialmente com seus objetos. Tal comunhão, vale dizer, se faz através das "sensibilidades sem governo".

Comungar com o mundo e com seus objetos é, antes de tudo, admitir-se elo de uma cadeia onde o que realmente importa é o desdobramento sensível dos corpos. E diante de tal insuficiência, ao poeta não é dado prescindir da poesia.

Ao contrário, justamente de suas faltas é que se instala a avidez do poeta. Dos seus limites e finitude mantém-se uma força que o põe em processo de criar um imaterial que, para sua perplexidade, está sempre em fase de advir. Assim, é a ausência de conhecimento e saber que o impelem na construção sempre nova de uma memória, de traços mnêmicos moventes, constitutivos e criadores do presente do poema.

Na ausência do mundo organizado do simbólico, a vocação poética que lhe é possível diante de sua intensidade é a da exaltação da carne: a carne incorruptível. É justamente a poesia que permite à carne manter-se atada ao mundo e mesmo ressuscitar - "A poesia me salvará".

Mas se a poesia salva, isto não significa que através dela possa-se tapar o furo que nos leva ao desamparo. Estando atingido pela brutalidade das coisas, ao poeta não é dado proteger-se: o que seu deus lhe concede é não descansar e ser por tudo ferido de morte. Mas vale apontar que tal dor reflete-se em dádiva, em alegria de viver, em gozo do corpo e da alma.

De fato, sua poesia mística, ao invés de colocar-se no lugar da crítica e do abandono do mundo, ou mesmo de propor a salvação ou solução deste, aponta muito mais para a dispersão no corpo.

Podemos dizer que o fundamento da poética adeliana é a adesão ao sensível, num ato carnal com aquilo que poderá tornar-se significante, mas que vem ao nosso encontro como percepção imagética que se marca na ausência de um nome e que passa a ter sentido ao ser nomeado.

A poesia atinge seu ápice quando consegue ser a mais pura manifestação do sensível uma vez que, de tudo o que pretendem explicar, analisar ou traduzir, "as palavras só contam o que se sabe". Deste modo, aquele que acha que diz está apenas repetindo. Na verdade,

a palavra é disfarce de uma coisa mais grave, surda-muda,

foi inventada para ser calada.

Em momentos de graça, infreqüentíssimos,

se poderá apanhá-la: um peixe vivo com a mão.

Puro susto e terror.

Em Adélia Prado, a descontinuidade detectada por Foucault a partir do século XVII entre palavra e coisa, parece dissolvida . Aqui, a palavra é tratada ora como a Coisa -

Quem entender a linguagem entende Deuscujo Filho é o Verbo.

Morre quem entender.

Ora como coisas do mundo, onde o que importa é a sonoridade de que dispõem, a estrutura que criam, muito mais do que seu significado. Os fragmentos das conversas dispersas, estes também são poesia. A palavra mistura-se aos objetos do mundo, ela própria é objeto. O ato de escrever e fazer poesia estão então próximos à música que se desdobra nos ouvidos

Se quiser, ponho agora a ária na quarta corda,para me sentir clemente apaziguada

A fala, nesta obra, comparece concretamente fazendo parte da vida. O mundo que a linguagem evoca existe como a própria linguagem, do mesmo modo que corpo e alma não suportam divisão. Mais uma vez, a fratura sujeito-objeto na perspectiva da linguagem e da dissolução mística parece elidida.

O eu-poeta e o mundo estão sempre prestes a nascer, morrer e ressuscitar, seu corpo traz sempre uma ferida aberta para todas as materialidades que, como corpo estranho, marcam-nos de modo novo.

Em Adélia, o sujeito está sempre advindo, sendo aquilo que não pára de se inscrever no mundo por ele mesmo criado: um sujeito nada pragmático, útil, mítico, ideológico ou neo-liberal, mas uma eterna possibilidade de criação de um novo sujeito e de um novo mundo que inaugure uma singularidade capaz de parir novos reinos: afinal, se dor não é amargura, pode ser a travessia para um novo começo.

3- O poeta, o psicanalista

Como se a própria estrutura do fenômeno literário - e sua característica de criação de um novo significante que não tapa a verdade do impossível - já não bastasse para justificar o interesse da teoria psicanalítica pela literatura, há um outro eixo de fundamental importância para o tripé psicanalítico e que a poesia de Adélia parece fazer florescer particularmente: a clínica.

De fato, Lacan liga a escrita poética à interpretação psicanalítica quando nos diz que o analista deveria ser poeta ou poata. Torna-se imprescindível aproximarmo-nos ainda mais da escritura, de modo a nos avizinharmos do que Lacan pretende ao fazer tal afirmação.

A poesia, que é efeito de sentido, é também efeito de furo. Ela não se situa, portanto, no terreno do significado, se fechando num todo possível, mas parte para os limites do impossível. O sentido no discurso analítico tampouco é simplesmente o significado de um discurso. Ele é efeito de sentido, como na poesia.

Sendo assim, a poesia e a análise existem por permitirem interpretação. Do mesmo modo que o escritor lapida o excesso de modo a produzir o novo em sua poesia, o setting deve ser fecundo e produzir um novo significante que seja fecundo também - é o efeito de furo - e dar um sentido - é o efeito de sentido. Consistência efetiva do real e do imaginário, portanto.

Quando tratamos aqui de um significante novo, partimos do pressuposto de que este seja um significante necessariamente inventado, que se distingue em sua singularidade e diferença daquele dado ao sujeito ao advir.

Apenas deste modo a produção do sujeito pode não ser da ordem da repetição, rememoração e elaboração, mas da ordem da fecundidade da invenção. Ao parir este significante novo, o sujeito se engendra como sujeito da diferença e pode dar vazão às intensidades. Esta é sua fecundidade:

"(...) Quero comer o mundo e ficar grávida, virar giganta com o nome de Frederica, pra se cutucar na minha barriga e eu fredericar coisas e filhos com a cor amarela e roxa, fredericar frutas, água fresca, as pernas abertas, parindo. Por dentro faço mel como colméias, põe tua língua no meu favo hexágono."

Quando Lacan une a escrita poética à interpretação analítica, quer sublinhar que a escrita não é aquilo através do qual a ressonância do corpo - a poesia - se exprime, se explica ou significa. O que importa nela é muito mais o seu aspecto essencialmente sonoro, seu aspecto de objeto concreto que se vê, a palavra como pedra bruta, a consistência do corpo como real.

Outro aspecto da poesia, inseparável da produção do novo, é o fato de ter efeito de sentido, consistência do imaginário. A poesia faz com que o significado e/ou o mundo possam surgir, criando uma realidade.

O efeito de sentido não é imaginário no sentido da ilusão, do engodo, mas aponta para o registro do imaginário em sua consistência, ou seja, o real. É o ato de dar um nome, que se nomeie alguma Coisa (das Ding), que faz surgir a dimensão das coisas( die Sachen), as quais extraem seu fundamento do real.

Escrever é pôr na página, até criar a obra, a relação do escrito com a corporeidade e também com o Outro; é transformar o imaterial e a relação não-recíproca numa relação de pura diferença, mas que ainda assim traga a marca de um encontro possível. Afinal, entre a escritura e a obra há uma ruptura violenta, a passagem do mundo onde tudo tem sentido para onde nada tem sentido ainda, mas para tudo o que tem sentido remonta como em direção a sua origem.

É neste processo que o sujeito advém como efeito de subjetividade ligado ao gozo absoluto. Esse sujeito é corpo. Cada uma das marcas pela qual passou o desejo foi delimitando-o. Um corpo, diz Lacan, isso se goza por corporizá-lo num sistema de sentido e de furo.

De que ordem então é a consistência do corpo? Convém observarmos que sensação e percepção aparecem como modos do ser-corpo. Sensação quanto à palavra, percepção quanto à oração e, finalmente, imaginação quanto à relação entre duas orações e a pausa. O corpo – isso se goza ao produzir a imagem. Se o poeta, cujas palavras fazem imagem, encanta, é através do gozo consigo mesmo que ele comunica. O que não impede que o gozo na imagem - e o gozo do Outro em geral - possa ser o gozo mortífero por excelência - há sempre a contramão do narcisismo exacerbado e da pulsão de morte.

O sujeito separado não é mais o corpo do significante puro, mas é verbo, é fala. O corpo se esvazia e recebe nele o não-significante. É aí na fala que se produz o gozo puro constitutivo do inconsciente - ele ex-siste no corpo. O corpo do sujeito onde se ligam o não-significante e o significante é símbolo. A poesia reencontra "alíngua" materna, mas através do discurso.

"O meu saber da língua é folclóricoMuitos me argüirão deste pecado"(...)'belo vale, por que belo vale'este som de leite e veludo.Quis dizer nêspera e não disse."

BIBLIOGRAFIA

BLANCHOT, M., L'Espace litteréraire, Paris, Gallimard, col. Idées,1955.
FREUD, S., Der Wahn und die Träume in W. Jensens Gradiva, SFS, Frankfurt, S. Fischer, vol. 10, 1906-7, pgs.9-86.
FREUD, S., Der Dichter und das Phantasieren, SFS, Frankfurt, S. Fischer, vol. 10, 1908.
LACAN, J., Seminário sobre a Carta Roubada, Escritos, São Paulo, Perspectiva, 1966, pgs.17-68.
LACAN, J., O Seminário, Livro XIX, Ou Pire...(1971-72)
LACAN, J., O Seminário, Livro XX, Mais, Ainda, Rio de Janeiro, Zahar, 1985.
PRADO, A., O Coração disparado, Rio de Janeiro, Salamandra, 1984,p.78
PRADO,A., Bagagem, Rio de Janeiro, Guanabara, 1986.
PRADO,A., Poesia Reunida, São Paulo, Siciliano, 1991
1 FREUD, S., Der Wahn und die Träume in W. Jensens Gradiva, SFS, Frankfurt, S. Fischer, vol. 10, 1906-7, pgs.9-86.
2 FREUD, S., Der Dichter und das Phantasieren, SFS, Frankfurt, S. Fischer, vol. 10
3 LACAN, J., Seminário sobre a Carta Roubada, Escritos, São Paulo, Perspectiva, 1966, pgs.17-68.
4 PRADO,A .,Grande Desejo, Bagagem, p. 20
5 PRADO, A.,"Os Acontecimentos e os dizeres" Poesia Reunida.
6 PRADO, A., Poesia Reunida. p.22
7 PRADO, A., Poesia Reunida. p.22
8 Ave, ávido./ Ave, fome incansável e boca enorme,/come./ Da parte do Altíssimo te concedo/ que não descansarás e tudo te ferirá de morte:/ o lixo, a catedral e a forma das mãos./ Ave, cheio de dor. IN: PRADO, A., Anunciação do Poeta, Poesia Reunida, p.75.
9 PRADO, A., Poesia Reunida. p 57
10 PRADO, A.,Solte os cachorros, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1979, p.83
11 BLANCHOT, M., L'Espace litteréraire, p.260.
12 LACAN, J., O Seminário, Livro XX, Mais, Ainda, p. 35
13 PRADO, A., O Coração Disparado, Rio de Janeiro, Salamandra, 1984,p.78
Ccontato com a autora:cristianafac@rionet.com.br

Agenda Semanal de 31 de Agosto a 04 de Setembro - EBP - Delegação Paraná




Para melhor visualizar a agenda entre no link abaixo.
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Escola Brasileira de Psicanálise - Delegação ParanáR. Tibagi nº 294 - conj1106Tel: (41) 3324-6432Horário da secretaria: Segunda a Sexta das 14:00h as 18:00h.A Agenda Semanal pode ser visitada também pelo site: http://www.ebp.org.br/escola/delegacoes/del_parana/parana_ativa.html

terça-feira, 25 de agosto de 2009

O Que Se Leva Da Vida


Leva na brincadeira

Não me leve a mal

Nem tudo é de primeira

Nem tudo é banal

Uma vida só é perfeita

Quando chega no final

Não segue uma receita

É uma história sem moral

Você leva a vida inteira

E a vida é curta e coisa e tal

Se você não aproveita a vida passa
E tchau
Leva a vida mais simples

Que a morte é sempre ingrata

Se acabar ficando quites

É a vida que te mata.
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Túlio Deck

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Um ensaio ao sujeito barrado




qualquer traço linha ponto de fuga
um buraco de agulha ou de telha
onde chova

qualquer perna braço pedra passo
parte de um pedaço que se mova

qualquer


qualquer fresta furo vão de muro
fenda boca onde não se caiba
qualquer vento nuvem flor que se imagine além de onde o céu acaba

qualquer carne alcatre quilo aquilo sim e por que não?

qualquer migalha lasca naco grão molécula de pão


qualquer dobra nesga rasgo risco
onde a prega a ruga o vinco da pele
apareça

qualquer lapso abalo curto-circuito
qualquer susto que não se mereça

qualquer curva de qualquer destino que desfaça o curso de qualquer certeza

qualquer coisa

qualquer coisa que não fique ilesa

qualquer coisaqualquer coisa que não fixe.
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ARNALDO ANTUNES

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

S1 (.......) S2 Porque cantar parece com não morrer.


Arrepare não

Pois enquanto engomo a calça eu vou lhe cantar

Uma história bem curtinha fácil de contar

Porque cantar parece com não morrer

É igual a não se esquecer

Que a vida é que tem razão

Porque cantar parece com não morrer

É igual a não se esquecer

Que a vida é que tem razão


Esse voar maneiro foi ninguém que me ensinou

Não foi passarinho

Foi olhar do meu amor

Me arrepiou todinho quando olhou meu coração


Ai, mas como é triste

Essa nossa vida de artista

Depois de perder Vilma pra São Paulo

Perdi Maria Helena pro dentista.


(Ednardo)

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Poema de Freud


Não somos apenas o que pensamos ser.Somos mais; somos também, o que lembramos e aquilo de que nos esquecemos;somos as álavras que trocamos, os enganos q cometemos,os inpulsos a que cedemos, sem quere.

S.Freud
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Pesquisando na Internet notei que algumas internaltas consideram o escrito acima como uma poesia de Freud e não pude deixar de lado esse falor dado.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

A dor e o amor



O amor é uma espera
e a dor
a ruptura súbita e imprevisível
dessa espera.
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J. D. Nasio

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Linguagem e Poesia na Psicanálise: Transitos entre Lacan e Octávio Paz - Parte I.

O inconsciente é linguagem, na psicanálise. O homem é linguagem, posto que é ser de cultura. Essas duas sentenças, em certa medida, traduzem o pensamento psicanalítico sobre a questão da linguagem, pensada por Lacan, que, ao fazer uma releitura da psicanálise de Freud, em associação a uma perspectiva estruturalista, sugere essa compreensão do inconsciente.
Sendo o homem um ser de cultura, este se desprende da natureza de forma irreversível. Por estar imerso na linguagem, o homem cultural se diferencia dos outros animais, posto que não mais se limita a imagem e a realidade aparente, mas transcende essas duas dimensões, que passam a ser cortada pelo simbólico. Na esfera do simbólico o homem transcende a realidade e é capaz de recriá-la através da imaginação, da fantasia, erotisando o sexo, erotisando o universo, que deixa de ser um dado factual para ser um sentido.
O homem é um ser pulsional. A pulsão, por sua vez, é marcada pela linguagem, pela cultura, pelos sentidos que se criam pelo homem, no mundo que passa a ser objeto de desejo. O desejo dá sentido à existência humana. O mundo desejado, o corpo desejado, o “eu” desejado. O homem, e o mundo, são os sentidos criados e recriados pela cultura, que deixa seus registros desde os primeiros momentos da vida infantil, através do processo de socialização, da amamentação ao banho, dos primeiros passos ás primeiras palavras. Na fala o homem, então, se constitui definitivamente, único e singular, despregado da natureza.
Também Paz, em seu livro de ensaios “O Arco e a Lira”, traz essa dimensão lingüística constitutiva do homem, concebendo-o como um ser histórico. A linguagem teria sua origem num determinado momento da história da humanidade que o definiu e o diferenciou dos outros animais, sendo esse retorno a natureza impossível, pois implicaria na perda da função da linguagem, enquanto recurso de representação e abstração da realidade que, foi fundamental para o desenvolvimento das sociedades, das leis, da cultura.
Haveria nos outros animais formas de comunicação, sendo a linguagem humana diferente das outras formas de comunicação diferente em termos de nível de complexidade. Essa diferença, no entanto, é definitiva e definidora. A linguagem humana não traz apenas sinais que remetem a estados emocionais que sinalizam perigo, fuga, presença de alimento ou corte, como nos outros animais. A linguagem humana não apenas reproduz a realidade, mas a cria e recria, reconfigura através dos múltiplos sentidos e significados que emergem da palavra viva.
A dinâmica da linguagem do inconsciente se dá, na psicanálise, através dos mecanismos de metáfora e metonímia, na cadeia associativa de significantes que envolve o deslocamento da pulsão, do objeto de desejo primeiro pela mãe, a outros objetos, no mundo. Da mesma forma funcionaria o sintoma, que se utiliza do recurso da metáfora substitutiva do trauma ou do objeto recalcado por outros conteúdos secundários. A emergência desse conteúdo latente, dotado de energia pulsional, poderia se dar através de manifestações como os sonhos, os chistes, atos falhos, manifestações corporais que, como linguagem, são dotados de sentidos e serem apreendidos pelo sujeito significante.
O próprio homem é o significante da linguagem, na psicanálise, aquele que traz o sentido à fala, não sendo esta atrelada ao significado, a uma representação direta da realidade. A realidade para a psicanálise é a realidade psíquica, e não a realidade factual. A linguagem, para a psicanálise, não é protótipo do mundo, mas um novo mundo, inconsciente, subjetivo, do próprio homem, simbólico.
Em Octávio Paz, essa compreensão se aplica à palavra poética. A linguagem, na poesia, rompe a sua qualidade comunicativa, deixando de servir apenas ao objetivo de representar a realidade, para expandi-la, tranfigurá-la, trangredí-la. A palavra é impossível de ser aprisionada pelos significados definidos, por um único objeto referente. A palavra é múltipla, e múltiplo o homem, que a pronuncia, é inscrito por ela. A palavra poética define o homem em sua condição simbólica, e sua existência é imprecisão. O homem é poeta, e na poesia é servo da linguagem, é veículo na qual ela se manifesta, incorpora, torna-se realidade.
O poema constrói o povo e revela quem somos. Através da palavra poética se criam sentidos, se funda a cultura, a humanidade deixa suas marcas definidoras, sempre reelaboradas. Partindo dessa perspectiva, Paz discute o caráter social da poesia e pensa sua função como criadora de subjetividade partilhada e pessoal. O poeta escreve o poema na linguagem comum aos homens, mas o acesso dos homens aos seus significados revelados, variam a cada época. A poesia emerge tanto em momentos de crise quanto de plenitude social. Na ordem, a poesia é patrimônio de todos, comunica à comunidade ideais comuns, guia a civilização por um caminho. Na crise, a poesia se torna hermética, individualizada, voltada para uma busca incerta de nortes, de sentidos perdidos no caos. Nesses tempos, os mesmos tempos que hoje vivemos, a poesia é revelação da decadência, é alerta, é grito que se faz inaudível no meio da multidão.
A psicanálise, em sua origem nos fins do século XIX, surge como manifestação da cultura revelando o homem moderno em suas neuroses. A Psicanálise é filha da decadência do mundo moderno, e se apresenta furando o campo das ciências exatas e naturais como uma nova forma de pensar o homem, na sua subjetividade, nos seus aspectos ocultos e velados. Assim, em muitos aspectos, ela se aproxima muito mais do fazer poético, do trabalho do artista.

Linguagem e Poesia na Psicanálise: Transitos entre Lacan e Octávio Paz - Parte II.

A linguagem para a psicanálise não segue a linha da comunicação, em sua horizontalidade, na seqüência de significados encadeados que remetem a uma realidade factual. Os traumas tratados nem sempre tem um representante no vivido, mas fantasmático, inscrito na cadeia associativa inconsciente, desejo e castração. No método criado pela psicanálise, na associação livre, as palavras emergem como na poesia, rompendo o real, pulsionalizadas, vibrando. E o psicanalista, como o poeta, é servo de seu ofício, instrumento da linguagem, xamã que inicia o cliente, o sujeito, nas artimanhas da linguagem inconsciente. O mundo é lido na psicanálise através de uma forma própria, numa linguagem para iniciados, a linguagem inconsciente.
O lugar almejado pela psicanálise, em muitos momentos, é o de reveladora, permitindo ao próprio sujeito significante da análise a possibilidade de descobrir-se, aperceber-se de um conhecimento que ele mesmo traz em sua vida. Como o poeta, o artista, o analista seria aquele que facilitaria à humanidade ver além de sua realidade cotidiana, expandindo sua visão para além dos significados corriqueiros, dos condicionamentos, dos aprisionamentos. A poesia é a palavra sem fins utilitários. A psicanálise é a revelação da loucura de todos, de cada um de nós. Mas será mesmo?
Paz aponta para o perigo do poeta se transformar em propagandista, ser manipulador das massas, num tempo atual, em que as comunidades de desfizeram e a coletividade está padronizada. Também o psicanalista, ao utilizar-se da teoria psicanalítica, pode incorrer nesse perigoso caminho. Mas serão esses poetas e analistas verdadeiramente poetas e analistas? Ou o lugar da poesia e da psicanálise é, justamente, a margem. O poeta é marginal quando traz uma nova linguagem, quando perverte os sentidos, quando cria o novo. Também o analista deveria assim proceder, no exercício da psicanálise enquanto arte de revelação. Mas será que a psicanálise realmente nos revela os caminhos incosncientes de nossa própria existência, ou nos aprisiona no Édipo, no desejo incestuoso da mãe, no medo da castração, nas estruturas de personalidade, na neurose, psicose e perversão? De que psicanálise se fala e se pratica. Que poesia estamos vendo surgir hoje?
Se estamos vivenciando uma crise dos tempos, a mesma crise de a cem anos, no caminho da decadência da Modernidade, vemos emergir como costumes o individualismo exacerbado e a cegueira de massa, do consumo, do utilitarismo. Mais se escreve autobiografias, mais se lê livros de auto-ajuda e revistas tablóides. Se consome a vida alheia e se viva a própria vida amarrada às aparências, às tiranias da imagem padronizada, tiranizada pela mídia, pela moda. A poesia se torna silenciosa, como a voz dos intelectuais, e a psicanálise corre o risco de se tornar mais um objeto de consumo, um produto fetichizado de consumo, eliciando pequenas revelações que não necessariamente transformam o sujeito em ator de sua própria vida, mas mantêm no ciclo repetitivo. Esse risco não é apenas o da psicanálise, mas de todas as abordagens psicoterapeuticas.
Mesmo assim, ainda se tem a crença e a esperança de que é possível romper a lógica convencional, instaurando uma nova lógica, através da palavra poética, que transgride os significados dicionarizados e cambiando novas dimensões de sensibilidade. Para isso, é necessário que a poesia seja acessível a todos, que haja um compartilhamento da poesia, que novas linguagens ascendam do ordinário e novos sejam os iniciados, os profetas, os loucos.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Um ensaio ao Sintoma - Sinthoma


De tantos
sem querer
acabei querendo
minha fallha.

Pois cortar os próprios defeitos
Pode ser perigoso
Nunca se sabe qual é
O defeito que sustenta o edifício todo.
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Uma falta, uma falha são o que move. Diante disso pode aparecer o sintoma. A relação que o sujeito faz com o sintoma é entendida por Lacan em dois momentos de sua obra, no primeiro é chamado de sintoma e no segundo e último é conhecido por sinthoma. Um dos caminhos que se percorre em análise é do sintoma ao sinthoma, ou seja, o que se anuncia no sintoma (a relação com o fantasma) no inicio de uma analise reflete no sinthoma que pode ser considerado como o resultado de uma análise, pois será o que privilegia o gozo, o real e o incurável. Faz todo sentido quando Lacan diz que devemos amar o sintoma, pois é o que temos de mais nobre e de mais singular.
Por tanto você gostaria de tomar Isso?
– “Sim Thomo.”

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

A intimidade entre poeta e Psicanálise


Meus poemas histéricos

não aceitam o não

Eu obsessiva

finjo que não quero

Eu tento ser sincera

mas eles continuam

fazendo mistério

Tentamos de tudo

Terapia em grupo

Concretismo

Monastério

Eu não aguento

mas nem com reza braba

meus poemas me levam á sério


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Estrela Leminski
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terça-feira, 11 de agosto de 2009

O inevitável no meio do caminho


No meio do caminho


No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas.


Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.
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Quanto a inevitável Pedra no meio do caminho qual a sua escolha? Você fingi que não existe? Você a joga em outra pessoa? Você esmurra a Pedra? Corre dela? Chora? Sente-se injustiçado ou cria algo? Enfim, qual é a sua escolha frente a castração?

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Uma boa análise pode lhe proporcionar um Bom Dia


Bom Dia

Pequenas Moléculas
de conciência na
Luz

do

Sol.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Tristeza não tem fim objeto a sim?

A felicidade é como a gota
De orvalho numa pétala de flor
Brilha tranqüila
Depois de leve oscila
E cai como uma lágrima de amor

A felicidade é uma coisa boa
E tão delicada também
Tem flores e amores
De todas as cores
Tem ninhos de passarinhos
Tudo de bom ela tem
E é por ela ser assim tão delicada
Que eu trato dela sempre muito bem

Tristeza não tem fim
Felicidade sim

Afelicidade é uma valiosa questão no campo da Psicanálise, quem sabe pela mesma questão que seja na vida do indivíduo. Evidente que há uma importância nesse sentimento e a saúde do homem. Felicidade se vincula ao gozo, algo que é eterno enquanto dura, e enquanto dura é boca, é pele, é mão,.... por fim é Pulsão que cada qual a encontra na sua subjetividade. Lembrando que a noção de gozo se faz apenas na redução do Outro ao outro, ficando o Outro reconhecido pelo seu resto - objeto a. Sendo inserida assim a noção de falta. Quem sabe - apenas goza quem sabe que realmente perdeu e assim camarada Vinicius de Moraes, se admita que a felicidade de leve oscila, pode ser breve, é linda, deve ser bem cuidada, e que a vida não tem remédio. Porém isso parece passar longe quando se fala nos últimos anos. Esse ressaltado "a" dito acima, chamado de pequeno "a", objeto "a", parece que não chega a ser vivenciado como uma favorável simbolização no individuo. É bem provável que pessoas assim não sabem se querem o que desejam. E talvez apliquem em suas vidas o "sem limite", ou seja, um desenfreado uso e consumo na beleza, na Internet, na segurança, na alimentação, cosméticos, remédios, remédios, remédios, estética, ............ .Um 'jogar-se no vazio'. Quase um fim do estruturante objeto a.

sábado, 1 de agosto de 2009

Um ensaio sobre a Felicidade (Felicidade Clandestina)


Dor é vida exacerbada. Quase sempre a maior ou menor felicidade depende do grau de decisão de ser feliz.
Clarice Lispector__